Acabaram-se as férias que, este ano, foram geridas em termos maioritariamente pessoais. Longe da confusão dos últimos anos. Longe dos horários impostos por alguém cujo rosto eu não conhecia. Longe das rotinas instaladas e que obrigavam, se se quisesse alimentar o estômago, a ter que acordar a determinda hora e a regressar a uma hora que até poderia não se enquadrar nas horas cristãs, mas que obrigava a estar em condições de poder cambalear, no dia seguinte, até uma certa hora, até junto da sala onde se serviam os pequenos-almoços. Longe dos aglomerados populacionais que, qual horda furibunda, mecanicamente se deslocavam para junto da água e, em momentos temporais cronometricamente definidos, regressavam aos seus locais de pousio habitual. Longe da criançada que, jogando à bola, e berrando a plenos pulmões, obrigavam tudo e todos a participar, mesmo que forçadamente, numa alegria que não era a minha. Longe dos stress inumeráveis pelas longas filas de trânsito para atravessar a ponte. Longe da ansiedade por saber aonde iríamos deixar o carro, e, uma vez estacionado, será que ainda estará intacto quando a ele regressarmos? Longe das pessoas que realmente importavam, porque, sendo Agosto, era imperioso fazer a fotossíntese, e activar uma cortina de invisibilidade, só entrecortada, por momentos de interacção telefónica que, feitas as contas, se mostravam absolutamente contínuos, como se a distância e a ausência fossem tão somente físicas, porque o veio discursivo e emocional, esse, era permanente.
Este ano, tudo mudou.
E agora, que as férias se acabaram, e que o ciclo supostamente se repetiria, decidi que tudo será diferente doravante.
Diferente, desde logo, na forma de olhar o mundo.
Diferente, no modo de encontrar as pessoas que realmente importam e pelas quais vale a pena dizer EU, TU, NÓS.
Diferente na forma de me mostrar e de permitir que os outros, aqueles que realmente importam, me conheçam.
Sei que não é habitual efectuar estes balanços de fim de ciclo no dia 1 de Setembro, mas eu nunca fui igual à massa que me rodeia e na qual eu sou um pontinho minúsculo. Tenho clara consciência que defraudo muitas expectativas. E que surpreendo. Às vezes pela positiva. Outras vezes pela negativa. E que sou provocador. E que me dá gozo provocar. E que muitas vezes perco. E que raras vezes ganho.
(Há uns anos atrás, no milénio passado, quando eu era um miúdo de 20 anos - para quem me conhece e para quem não me conhece, informo que, neste momento, tenho mais uns mesitos face à idade anteriormente referida! - , um dia, percorri, vestido com o traje académico de estudante universitário, uma das ruas de uma certa cidade, e tendo-me cruzado com duas senhoras, de idade já avançada, fui brindado com os seguintes epítetos: "É o diabo! Nossa Senhora, valei-nos!!! É o diabo, é o diabo em pessoa! Virgem Santíssima, é o diaboooo!!!!". Estaquei a caminhada e encarei as senhoras. Obedecendo a técnicas que eu vinha aprendendo no meu curso, sobre como controlar grupos e garantir a liderança, tratei de estabelecer contacto ocular com elas. Ficaram lívidas. Mas já não me brindavam com esses epítetos. Não que eu me importasse, mas, enfim, era preciso um bocadinho de lata a mais... Até que uma, puxa de um terço, e começa a gritar, esganiçada, "Vade Retro, demo!" E a proferir não sei que ladaínha, provavelmente para efectuar algum tipo de exorcismo. Aí, irritei-me e, sorrindo-me, disse-lhes: "Sim, sou o diabo. Em pessoa. E as senhoras foram brindadas com a sua vista." Dei uma gargalhada. "Agora, eu ordeno-vos que me saiam da frente e vão imediatamente ter com um representante da vossa religião e lhe digam que me viram, em pessoa e ao vivo, e que eu vos ordenei que fizessem tal coisa!" Ainda pensei em fazer BUUUU!, mas não foi necessário. As criaturas, olhando-me estarrecidas e ofegantes, afastaram-se às arrecuas, bichanando uma para a outra não sei o quê.)