A propósito de uma certa onda que, acriticamente, parece começar a ganhar algum ímpeto - veiculando ou, em rigor, procurando vender a ideia de que só com a redução dos salários é que as contas públicas poderão ser recuperadas - , deixo-vos um curioso artigo de opinião de
Paul Krugman, publicado no jornal brasileiro Estadão.
Num dos blogues que leio, com regularidade, já me insurgi contra esta ideia e volto a fazê-lo, explicando porquê: com o nível de endividamento com que as populações se encontram qualquer redução salarial, para além de injusta e demagógica, acarretará, com toda a probabilidade, o descalabro financeiro de muitos. É que há contas para pagar e empréstimos para amortizar. Ora, não recebendo ou recebendo menos, o consumo vai reduzir-se e se ainda for possível pagar as contas as coisas ainda não são críticas. Se não for possível, o crédito mal-parado vai aumentar exponencialmente, com consequências imprevisíveis a nível económico e a nível social.
Um dos argumentos habitualmente utilizados é o de que a redução da massa salarial faria reduzir o preço dos produtos. Se esse argumento é, para já não verificável - na Grécia, a redução da massa salarial fez aumentar o preço dos bens transaccionáveis (a inflação já vai nos 4%) - , a perspectiva de uma deflação seria catastrófica. É que todos conhecemos bem o que sucedeu no Japão, esse "tigre asiático" e modelo, durante tantos anos, para Portugal... A redução contínua do preço dos bens transaccionáveis teve/tem como consequência que as famílias, ao invés de consumirem, tenham vindo a adiar as suas aquisições, gerando, com essa decisão (na esperança de comprar o produto cada vez mais barato), um aumento das falências e do desemprego.
Esta é a razão pela qual fico sempre profundamente perturbado quando vejo a facilidade com que certas criaturas facilmente aderem e propagam certas ideias profundamente abaladoras do nosso agir colectivo.
Há 20 anos atrás, um então estudante de Economia e Gestão confidenciava-me que a nossa situação económica só melhoraria se se adoptassem, na contratação colectiva, as mesmas regras que vigoravam no Japão. Intrigado, perguntei-lhe se já alguma vez tinha trabalhado no Japão. Respondeu-me que não, mas que tinha aprendido na instituição onde andava a estudar que o modelo de contratação era óptimo. E passou a explicar-me: são contratados, mas só têm 3 dias de férias por ano: no dia de aniversário e noutros 2 dias que já não consigo recordar (1 seria, possivelmente, no dia da empresa!)
Fiquei boquiaberto perante a falta de inteligência do candidato a gestor que andaria na casa dos 20 anos. E perguntei-lhe: tu aceitarias ser contratatado com essas regras?
Querem saber a resposta?
Pois foi esta: obviamente que não! Isto é para ser aplicado aos trabalhadores da minha empresa! Da empresa que eu vou gerir!
Pois é, perante uma cabecinha desta - e às vezes acho que alguns dos que andam por aí a vender certas ideias poderão ter sido este estudante - já não tenho mais nada a acrescentar.