A recente vitória dos Homens da Luta no Festival RTP da
Canção e a preocupação que alguns comentadores políticos manifestam face a isso
pode ser o sinal de alarme de que algo vai muito mal no reino da Dinamarca.
Lendo a opinião de bloggers, comentadores e jornalistas,
critica-se muito o facto de a geração que hoje tem 20 anos aspirar a um certo
ideal de vida que os pais conseguiram. Argumenta-se que os tempos são outros e
que, no quadro de uma economia neo-liberal, cada um deve tratar da sua vida,
defendendo-se concomitantemente a necessidade imperiosa da existência de um
Estado Social capaz de dar resposta aos mais fracos e desprotegidos. Mas,
interessante é reparar, que o grupo da chamada geração à rasca não é incluído
neste “lote” dos que devem ser apoiados pelo chamado Estado Social.
Não deixa de me causar estranheza aquilo que está a suceder
até porque as aspirações desta geração são tão legítimas como as aspirações dos
seus pais. É que todos (repito: TODOS!) fomos educados à luz de um paradigma
ideológico que considerava que a marcha da história desembocaria num futuro
radioso e muito melhor do que o presente. Recordemos o ideal iluminista da
“Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, que guiou tantos movimentos
revolucionários até hoje! Recordemos o ideal que presidiu ao derrube do Muro de
Berlim e ao fim do marxismo-leninismo na esfera da então União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas! Recordemos a crença exacerbada pelo Sr. Bush e seus
acólitos na chamada economia de mercado!
Claro que, entretanto, aconteceu o 11 de Setembro e a partir
de 2008 o mundo entrou numa crise profunda de consequências ainda não
totalmente determináveis...
Ora, é neste contexto sociológico e politico-ideológico – um
contexto que os filósofos Gilles Lipovetsky e Jean Serroy designam como o de
uma “Geração Desorientada” – que fenómenos de intervenção cívica como os Homens
da Luta ou de intervenção social como a Geração à Rasca têm lugar.
Custa-me a crer que gente com responsabilidade política ora
desvalorize a situação – segundo alguns trata-se de uns grupelhos de
contestatários ligados a organizações políticas situadas no extremo do espectro
político – ora a considere um mero fenómeno de
práticas carnavalescas, e, nesse
sentido, responda negando a realidade do tsunami que cresce a cada hora que
passa. Sim, porque, como me confidenciava há dois anos atrás, um colega que
muito respeito e que, na ocasião, tinha importante responsabilidade política e
social, o caldeirão está quase a estourar. E quando estourar estourará de
facto! Esta geração que hoje se assume como parva e que se considera bastarda
de um país que a não respeita é, de facto, uma geração composta pelos mais
altos quadros: são jovens com elevadas qualificações académicas (mestrado e
doutoramento), com um adequado conhecimento do mundo e acesso a redes sociais,
e que, terminados os seus cursos, se vêem lançados ora num call center (a
ganhar 250 euros por mês!) ora numa caixa de hipermercado (não sei quanto será
a remuneração!) ora condenados a viver em casa dos pais ad eternum... Uma
geração sem futuro ou com um futuro muito muito longínquo...
As pessoas com responsabilidade e, em particular, os
senhores políticos deveriam olhar, com muita atenção, para esta situação e
alcançar uma resposta consentânea. É que negar aos que têm hoje 20 anos a
possibilidade de serem os actores do desenvolvimento colectivo do mundo que
arquitectamos para daqui a 10 ou a 20 anos significa tão somente criar as
condições para que situações muito pouco desejáveis possam vir a ocorrer por cá.
E uma vez o circo ardendo não haverá água suficiente para apagar o fogo.