11.9.08

Quotidianos III

Viagem. Uma tromba de água terrível, diluviana, apocalíptica. Nunca tinha visto tanta água junta numa auto-estrada. E a visibilidade péssima. E o receio de levar uma pancada no carro. E o maldito do gps que nem se dignou autorizar-me a introduzir as coordenadas da viagem. Livre, dirão alguns. Sim, livre, ao ponto de ter de seguir as indicações dos placards da auto-estrada. E esses placards numa letra tão reduzida e tão pouco visível com a tromba de água diluviana. Olha lá - diz-me o meu companheiro de viagem, tu já vais na auto-estrada para a Corunha! Não era suposto termos virado para Santiago? Pois era, mas eu não percebo esta sinalética! Ah?!?... Tu não percebes a sinalética? Tu???? Tu, que tens carta de condução!... Tu, que estás habituado a trabalhar todos os dias com a semiótica!....  
Afinal, tínhamos virado no sítio certo e depois de uma data de curvas e contracurvas, com visibilidade zero, e uma longa fila de viaturas atrás com os 4 piscas ligados, lá entrámos na cidade do Apóstolo.
Novo suplício para estacionar o carro na garagem do hotel. Nunca percebi porque razão os arquitectos fazem os acessos tão apertados e os lugares tão diminutos. 
- Olha, aqui está escrito "Solo coches pequeños"!
- Claro, é o tamanho do nosso! Mais pequeno é impossível.
- E se disserem alguma coisa?
- Olha, se disserem, disseram. Eu acho que este carro é pequeno! O letreiro não indica a dimensão do carro, pois não?
- .....?!??......
Uma tarde chuvosa, mas muitíssimo agradável. Calcorrear o centro histórico. Sentir a pedra molhada, ouvir as vozes e as línguas diferentes. Absorver o mosaico de culturas e de gentes, uns peregrinos, outros turistas, muitíssimos outros habitantes da cidade. As lojas de recordações. Todas iguais. Todas vendendo os mesmos artefactos aos mesmos preços. Muita gente. Alguns verdadeiramente divertidos, com comentários muito pouco religiosos. 
Mesmo às portas da catedral, a descoberta inesperada de um pequeno objecto capaz de transmitir a quem não pôde vir toda a atmosfera e toda a vivência desta cidade.
A catedral, o Apóstolo, a religiosidade de uns paredes meias com a ânsia fotográfica e turística de outros. Estranho.
O dia seguinte: o trabalho. Proveitoso, intenso. A marcação de nova reunião da multinacional agora para uma outra cidade europeia. O assumir de compromissos. O telemóvel que não pára de tocar. O trabalho e as responsabilidades na nossa filial. 
Regressado a Portugal, a notícia de um amigo que sofrera um ataque cardíaco. Hospital. Urgências. Um familiar consegue aceder aos Cuidados Intensivos e as notícias que traz não são boas. O desfecho deverá ocorrer nas próximas horas.
Estou desfeito. Cansado. Preciso de adormecer.
Adenda: já recebi a informação. Tal como era expectável. Afinal, o tristemente célebre 11 de Setembro abriu mais uma ferida, agora muito mais próxima, e com alguém meu conhecido. 

12 comentários:

Julieta disse...

Deixo um beijo como aconchego de carinho e força...

João Roque disse...

Santiago é uma cidade não muito grande, mas que não deixa ninguém indiferente; claro que a praça da Catedral é o ponto de confluência, mas a cidade tem muito mais para oferecer como bem dizes.
Quanto ao episódio triste no teu regresso espero que não seja assim tão mau...
Abraço especial.

Kapitão Kaus disse...

Umabel:)
Obrigado. Muito obrigado!
Jinho:)

Kapitão Kaus disse...

Pinguim:)
Amigo:) Muito obrigado pelo abraço:) Infelizmente, as coisas correram como era expectável.

paulo disse...

bem, as minhas experiências de Santiago nunca incluíram dilúvios... mas compreendo bem a agonia (mesmo sendo quase só o Zé a conduzir - eu estreei-me há pouco). gostamos do sítio. no meio disto tudo, o pior é mesmo a adenda... lamento!!! força!!!





p.s. tive colocação (14 horas + temporário). numa dimensão absolutamente diferente, o 11 deste Setembro também não me foi generoso.

Kapitão Kaus disse...

Olá Paulo:)
Pois Santiago com dilúvio para mim, foi a 1ª vez! Foi uma coisa semelhante ao que ocorreu em Madrid. Uma situação absolutamente incómoda, mas sobrevivemos, isso é que é importante!

Santiago, para mim, tem um encanto especial. Por muitas razões, afectivas principalmente. Os amores... o 1º amor... há que tempo isso vai!... Desta vez, a visita foi também muito interessante pois, pela 1ª vez, preocupei-me em trazer de lá um recuerdo.

Quanto ao meu amigo, enfim, não há palavras. Obrigado pela tua força!:)

Ainda bem que obtiveste essa colocação. Vamos torcer para que o Apóstolo Santiago te faça crescer o horário e o tempo de trabalho!:)

Obrigado por tudo:)
Abraço:)

Francisco disse...

Adoro essa cidade... tanto que até casei com uma moça com raizes lá na zona hehehehehe

:)

Will disse...

Um abraço com votos de toda a coragem que precises para enfrentar a recente perda caro amigo.

Paula disse...

Força e os meus sentimentos pelo teu amigo.
Força para ti, para aqueles que lhe eram próximos e para toda a familia.
Bjs!

Francisco disse...

Propositadamente não toquei nesse assunto no primeiro comentário... decidi ignorar e só comentar a parte bem disposta do post (torcendo quanto ao resto).

Agora estou arrependido...

Embora não te conheça, acaba-se sempre por criar alguns laços com quem escreve os blogs que se vão lendo.

Forte abraço e coragem.

fj disse...

Um forte abraço para ti amigo e para a familia desse teu amigo muita força ...

Kapitão Kaus disse...

Francisco, Will e Paula:)

Muito obrigado pela vossa força e pelas vossas gentis palavras!
Perder alguém querido é sempre uma perda. Fica uma saudade. Fica também a lembrança dos bons momentos, daqueles em que partilhámos a amizade, os afectos. Este meu amigo era já um senhor idoso, com uma sabedoria de vida muito grande. Partiu.
Acho que passei a olhar o mundo de outro modo, muito mais distante. O importante são as pessoas. O que elas dizem ao coração e à alma.

Obrigado pela Vossa presença neste espaço!:)

:)