2.5.08

“Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício
Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar”
Mário Cesariny (1999) Pena capital. Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 35-36
"(…)
Mas haverá uma idade em que serão esquecidos por completo
os grandes nomes opacos que hoje damos às coisas
Haverá
um acordar”
Mário Cesariny (1999) Pena capital. Lisboa: Assírio & Alvim, pp. 51-52
Hoje o estado de espírito do vosso kapitão só pode ser adequadamente compreendido à luz das sábias palavras do poeta-gato do surrealismo, Mário Cesariny.
O vosso kapitão gostaria muito de expressar o que lhe vai na alma, mas a tal não está autorizado, primeiro porque essa questão do conhecimento da alma tem muito que se lhe diga, e não se faz em meia dúzia de linhas, e em segundo lugar, porque entre o que lá lhe vai e o que os espíritos bem pensantes gostariam de ouvir pode criar-se uma distância do tamanho de um oceano, e todos sabemos muito bem, alguns até por experiência própria, os efeitos nefastos e devastadores que as águas oceânicas podem ter quando decidem irromper pela terra adentro.
Assim, resta-lhe a Poesia.

6 comentários:

Anónimo disse...

É de palavras também que se fazem certas promessas. Nada como saber o verdadeiro valor das palavras... ;) Bom fim-de-semana!

João Roque disse...

A poesia tem duas vertentes bem diferentes: a primeira, exprimir o que o autor pensa e só isso já lhe dá o valor, pois o poeta escreve sempre para si próprio; por outro lado, há certas poesias que nos "vestem a alma" e então usamo-las e assim exorcisamos os nossos pequenos fantasmas ou no campo oposto, refulgimos no seu calor.
Abraço.

Will disse...

Cesariny é sempre uma excelente companhia :)

paulo disse...

Os escritores, sobretudo os poetas, falam por nós, mais ainda quando as palavras nos faltam para exprimir a inundação, ou o abismo...
Um grande abraço

Kapitão Kaus disse...

Caros Amigos,

Muito obrigado pelos vossos comentários!
Abraço:))
Kapitão

Anita disse...

Muito lindo o texto...uma excelente escolha kapitão:)))
beijinho grande para ti e uma semana bem simpática igualmente;)))